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sábado, 10 de setembro de 2011

Casa das Tias, Casa de Badia: Pré-ruina da Memória Africana do Recife

Obejidê Maria de Lourdes da Silva - Badia
Localizada na lendária porta sul da cidade do Recife ou “ a entrada da cidade, para quem viesse do lado do continente”, região de maior concentração de negros da cidade até meados da década de 1930, e de onde certamente foi construída a identidade cultural da cidade.
Uma casa onde muitos encontros se deram desde a chegada de Tia Eugenia da África até a consagração de Badia como importante liderança cultural” (Arrecifes, dez, 2005), um espaço estratégico que presenciou momentos importantes de nossa historia política, econômica e social. Um acumulo de historicidade, desde as lutas de resistência à presença holandesa, a exautoração e assassinato de Frei caneca, os movimentos abolicionistas, a “Belle Epoque” que transformou as fachadas de nossos sobrados, e alterou o modo de vida de nosso povo que assimilou mais contundentemente a cultura ocidental.
Contudo este pátio se tornou a referencia da cultura nagocêntrica em nossa cidade refletida no respeito que todas as casas religiosas de Matriz Africana(Nagô) têm a memória dos que ali moraram e mantiveram provavelmente o primeiro Culto aos Orixás do Recife (estatuto da Casa, 1976). Digo provável, pois há registro de outros espaços e pessoas ligadas a algum ritual de Matriz Africana, como é o caso de Yayá de Ouro que morava em casa no largo da Fortaleza das Cinco Pontas, uma parda de nome Feliciana Maria Olímpia conhecida na área por ser feiticeira (APEJE, DII, vl.28,1873). Temos ainda Vivina Rodrigues Braga – Iyáiná, conhecida por Tia Sinhá, nasceu em Recife em 17 de dezembro de 1874 e Emília Rodrigues Castro – Iyájaí conhecida por Tia Yayá nasceu em 04 de outubro de 1877 filhas de Joaquim Duarte Rodrigues – Atô e Eugênia Rodrigues Braga – Arô.
Até o momento não temos como precisar quando e como a família Duarte Rodrigues se estabeleceu na Casa. De acordo com a escritura de compra e venda, a casa 143 da Rua Vital de Negreiros foi comprada pelas irmãs Vivina e Emília do Sr. Antônio Cândido Gouveia, viúvo em 11 de outubro de 1922 e a mesma situada a da Rua do Forte 46, adquirida do Casal de portugueses Joaquim Martins de Carvalho Ramos e Maria do Carmo Pimentel Ramos em 7 de dezembro de 1926. No momento da aquisição da Casa elas montaram uma tinturaria que em pouco tempo fez muito sucesso na cidade, “sua freguesia era formada por uma classe abastada da cidade” afirma a Sra. Amara Soares(moradora da casa desde a adolescência), possuíam registro na Junta Comercial de Pernambuco sob o Nº20.957, e pagando seus impostos em dias. A tinturaria estava no nome de Dona Vivina Duarte – Iyáiná, a Tia Sinhá, como consta na nota fiscal de pagamento do IPTU.

Pátio do Terço, Bairro de São José
Maria de Lourdes da Silva, Badia – Obéjidè, nascida em 1915, foi trazida por Sinhá e Yayá ainda bebê, posteriormente chegou na casa Severino Martiniano da Silva – Ode Akeran, o conhecido Raminho D’Oxossi, que teve sua iniciação pelas mãos de Dona Vivina Duarte Iyáiná, a Tia Sinhá e José Romão da Costa – Ojo Okunrin. Manteve as tradições da Casa onde a convivência por mais de 30 anos favoreceu um aprendizado que poucos sacerdotes de Recife tiveram, ao manter uma relação de muita cumplicidade e respeito com Sinhá, Yayá e Badia.
Badia “Aprontou fantasia para todos os grandes clubes, blocos, escolas de samba e troças do Recife, e também para algumas pequenas agremiações que brilharam e ganharam títulos de campeãs com as fantasias que confeccionou” (http://www.onordeste.com/), Tudo isso deu a Badia o Titulo da grande dama do carnaval de Recife.
Em todos os Ciclos festivos do calendário do Recife (junino, natalino e carnavalesco) a Casa sempre participava desde novenas religiosas a festas profanas inclusive a Grande Festa do mês de outubro onde todos Orixás comungavam o Axé, a Casa foi sede da LAMPRUT, uma Sociedade quase secreta que provavelmente foi criada no período abolicionista e que fizeram muitos negros forros como nos conta Eustórgio Wanderley em seu livro Tipos Populares do Recife Antigo.

   Casa 143 do Pátio do Terço, em pré-ruina
Desde o falecimento de Badia se luta para preservar essa memoria, o primeiro passo foi dado com a criação do Espaço Cultural Badia pelo jornalista e advogado Edvaldo Eustáquio Ramos que deu vida ao já tradicional Baile Perfumado com 16 anos, o tombamento da casa pela Fundarpe já está concluído e há dois anos a Restauradora e grande profissional da área de Preservação de Patrimônio Fancisa Toledo, falecida ano passado, deu inicio a elaboração do Projeto de salvaguarda da casa, sendo realizado prospecções, parecer técnico e parecer de uso histórico da Casa.
Esperamos contudo que a Gestão Pública governamental, seja municipal estadual ou federal que assumi ter uma politica de reparação ao povo negro, realmente intervenha para que a Casa de tanta tradição não desapareça da memória histórica da cidade, pois sabemos bem que da memoria simbólica coletiva do povo negro e de Terreiro este espaço ancestral viverá para sempre, ti ti ayê!

João Monteiro
Omo Sango, Historiador, Especialista em Preservação de Acervos
Coordenação do Quilombo Cultural Malunguinho.


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